No início
de setembro, milhares de médicos do mundo inteiro se reuniram em Londres, no
Reino Unido, para participar do Congresso Europeu de Cardiologia.
E uma das
grandes novidades do evento foi a divulgação das novas diretrizes de
hipertensão, um documento que guia os critérios de diagnóstico e tratamento da
pressão alta.
O novo
consenso entre especialistas da área simplifica alguns conceitos, introduz uma
nova categorização dos pacientes e recomenda um tratamento mais intenso logo
nos primeiros estágios da doença.
Em
resumo, as novas diretrizes europeias classificam como:
- Pressão arterial
não elevada: abaixo
de 120 por 70 milímetros de mercúrio (mmHg) — o popular “12 por 7”.
- Pressão arterial
elevada: entre
120 por 70 mmHg e 139 por 89 mmHg (de 12 por 7 a "quase" 14 por
9).
- Hipertensão
arterial: maior
que 140 por 90 mmHg (acima de 14 por 9).
·
Vale destacar que esses números
levam em conta a medida da pressão feita no consultório, por um especialista.
·
Até então, os cardiologistas
costumavam dividir esses índices em seis categorias: ótimo (abaixo de 120 por 80 mmHg), normal (entre 120 por 80 e 129 por 84 mmHg), pré-hipertensão (entre 130 por 85 e 139 por 89
mmHg), hipertensão estágio 1 (entre 140 por 90 e 159 por
99 mmHg), hipertensão estágio 2 (entre
160 por 100 e 179 por 109 mmHg) e hipertensão estágio 3 (acima
de 180 por 110 mmHg).
·
Segundo os autores da diretriz,
a simplificação dos termos e a criação de uma nova categoria clínica —
"pressão arterial elevada" — têm como objetivo intensificar o
tratamento em estágios iniciais, para que a pressão arterial fique dentro da meta
especialmente entre pessoas com risco aumentado de doenças cardiovasculares.
"Na
maioria dos pacientes, há uma mudança gradual e constante [da pressão
arterial]. Diferentes subgrupos, como por exemplo, aqueles que apresentam maior
risco de desenvolver problemas cardiovasculares, poderiam se beneficiar de um
tratamento mais intensivo antes que a pressão arterial deles atinja o limite
tradicional da hipertensão", complementa ele, num comunicado divulgado à
imprensa.
Rhian
Touyz, professor da Universidade McGill, no Canadá, e outro responsável pelas
novidades, acrescenta que "os riscos associados ao aumento da pressão
arterial começam quando os níveis da pressão sistólica [o primeiro número da
fórmula] ainda estão abaixo de 120 mmHg".
Como você
vai entender ao longo da reportagem, as novas classificações também alteram os
esquemas de tratamento medicamentoso e os cuidados de estilo de vida.
Entre
elogios e críticas, um problema monumental
O
descontrole da pressão arterial é o principal fator de risco por trás de
infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
"As
doenças cardiovasculares são as que mais matam no Brasil e no mundo. No nosso
país, por exemplo, uma pessoa morre a cada 90 segundos por causa de algum
problema no coração ou nos vasos sanguíneos", estima o médico Fábio
Argenta, membro do Conselho de Ética Profissional e do Comitê de Comunicação da
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
E é
curioso pensar como algo tão relevante — e tão frequente — não chama a atenção
e não é visto como uma grande ameaça pela maioria das pessoas.
O médico
Carlos Alberto Machado, assessor científico da Sociedade de Cardiologia do
Estado de São Paulo (Socesp), calcula que quase 1,2 bilhão de pessoas sofrem
com a hipertensão no planeta.
Para o
especialista, as mudanças nas diretrizes europeias ajudam a chamar atenção para
o aumento da pressão arterial, mesmo que ela ainda não tenha alcançado os
índices compatíveis com um quadro de hipertensão.
"Eles
reforçam que esse risco cardiovascular já começa com uma pressão relativamente
baixa, de 115 por 75 mmHg", diz ele.
Argenta
informa que a SBC já estava trabalhando para renovar as diretrizes brasileiras
de hipertensão. O novo documento deve ser publicado no país durante o primeiro
semestre de 2025.
"Precisamos
levantar a bandeira de que o adequado não é mais o 12 por 8. De agora em
diante, é preciso estar de 12 por 7 para baixo. Esse é o novo normal",
complementa o cardiologista.
O médico
Luiz Bortolotto, diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração
(InCor), em São Paulo, critica a criação da categoria "pressão
elevada".
"Eu
particularmente gostava mais da classificação anterior, pois entendo que termos
como 'pré-hipertensão' são mais fáceis de compreender e de gerar um
alerta."
"E não temos evidências para afirmar que um indivíduo tem um risco cardiovascular diminuído se a pressão dele for reduzida de 124 por 74 para 110 por 70", complementa ele.
A
estratificação de risco da pressão alta
Mas o que
todas essas mudanças de critérios significam na prática?
Para
aqueles que estão com a pressão arterial não elevada, vida normal: não é
preciso fazer nada em específico.
Para os
hipertensos, não há dúvidas de que é necessário começar um tratamento
medicamentoso, além de incentivar uma série de mudanças no estilo de vida —
sobre as quais falaremos adiante — para diminuir o risco de vários problemas de
saúde.
Já para
os que caíram na categoria "pressão elevada" — quando os números
ficam entre 120 por 70 e 139 por 89 mmHg —, a recomendação da nova diretriz é
passar pela chamada "estratificação de risco".
Em
resumo, o médico vai avaliar uma série de indicadores de saúde para estimar a
probabilidade de o indivíduo sofrer algum desfecho cardiovascular mais grave
(como infarto ou AVC).
Na hora
de fazer essa conta, os especialistas consideram questões como o diagnóstico de
outras doenças cardíacas ou a presença de outras enfermidades crônicas, como
diabetes tipo 2, colesterol elevado, obesidade…
Se o
risco de o paciente sofrer algum desfecho cardiovascular nos próximos dez anos
ficar abaixo de 5%, a recomendação é promover uma série de mudanças de
estilo de vida e reavaliar a pressão arterial em um ano.
Agora, se
esse risco superar os 10%, o documento europeu indica fazer as mudanças de
estilo de vida e, após três meses, iniciar o tratamento medicamentoso para os
indivíduos cuja pressão seguir acima de 130 por 80 mmHg.
Já para o
grupo em que risco varia entre 5 e 10%, o médico deve considerar fatores
relacionados à etnia, sexo, deprivação socioeconômica, doenças autoimunes,
entre outros, para definir o melhor caminho — testar as mudanças de estilo de
vida por um ano ou fazer uma reavaliação após três meses para checar a
necessidade de entrar com os remédios.
Hipertensão
e mudanças no estilo de vida
Manter-se
no peso (ou emagrecer), adotar uma dieta variada e equilibrada, ter uma rotina
regular de atividade física, não fumar, evitar bebidas alcoólicas e reduzir o
consumo de sal são as recomendações clássicas para baixar a pressão.
Mas a
diretriz europeia trouxe duas novidades relevantes nessa seara. Primeiro,
aumentar o consumo de alimentos ricos em potássio — que, ao contrário do sódio
encontrado no sal de cozinha, abaixa a pressão.
Em
segundo lugar, investir em treinamentos isométricos e de resistência, como os
exercícios feitos na academia.
Os
médicos ouvidos pela BBC News Brasil entendem que as duas novas recomendações
de estilo de vida são bem-vindas, mas precisam ser adotadas com alguns cuidados
e ponderações.
Já o sal
enriquecido com potássio pode fazer parte da dieta. "Mas como ele tem um
gosto diferente do sal comum, é preciso cuidado para não compensar e exagerar
na hora de temperar a comida", acrescenta o médico do InCor.
Machado
também cita a necessidade de uma precaução maior com indivíduos que apresentam
problemas nos rins — neles, um aumento no aporte de potássio pode representar
uma sobrecarga para esses órgãos, responsáveis por filtrar o sangue e eliminar
impurezas.
Já em
relação aos treinos de força, Argenta destaca que o fortalecimento da massa
muscular está relacionada "a uma vida mais longeva e mais saudável, com
repercussões positivas nos vasos sanguíneos".
Bortolotto
só lembra que pacientes com a pressão muito elevada precisam primeiro controlar
esses níveis antes de partir para a academia.
Isso
porque o esforço físico pode fazer a pressão arterial subir ainda mais, o que
representa um perigo nesses casos.
Remédio
em dobro para controlar a pressão?
Outro
destaque das novas diretrizes europeias envolve uma "intensificação do
esquema terapêutico".
Na
maioria dos casos, a orientação é já iniciar o tratamento com dois remédios de
classes farmacológicas distintas, como a dos diuréticos, dos antagonistas
adrenérgicos, dos beta-bloqueadores, dos bloqueadores de canais de cálcio,
entre outros.
"Uma
das principais causas das baixas taxas de controle da hipertensão no mundo é o
fato de o médico muitas vezes insistir em usar apenas um remédio. Isso é o que
chamamos de inércia terapêutica", observa Machado.
Essa
sinergia entre diferentes princípios ativos, que agem em várias partes dos
mecanismos que influenciam a pressão arterial, garante que esses índices tenham
um melhor controle.
"Além
disso, colocar o paciente dentro das metas nos primeiros três a seis meses após
o diagnóstico tem um impacto extremamente importante na redução da mortalidade
cardiovascular", complementa ele.
Vale
destacar aqui que, após o diagnóstico da hipertensão, os índices de pressão
arterial considerados adequados se modificam.
Segundo o
documento europeu, a meta é manter o paciente na faixa dos 120 a 129 mmHg de
pressão sistólica (o primeiro número) — ou ao menos chegar à menor taxa de
acordo com a tolerância do paciente às medicações.
"Esse
conceito da pressão tão baixa quanto tolerável o tratamento é interessante.
Isso porque você não precisa ser agressivo e baixar a pressão a todo custo se a
dosagem dos remédios estiver causando muitos eventos adversos", elogia
Bortolotto.
Acompanhamento
e diagnóstico da hipertensão
Mas como
fazer o diagnóstico de pressão elevada ou hipertensão? Existe um momento da
vida ou uma periodicidade para fazer essa medição?
"Da
infância até os 40 anos, esse exame precisa ser repetido a cada três
anos", complementa o cardiologista.
Dos 40
anos em diante, o ideal é medir a pressão pelo menos uma vez a cada 12 meses,
dizem os especialistas.
Essa
regularidade é importante porque a hipertensão não costuma dar sintomas,
especialmente nas fases iniciais.
Uma
última novidade detalhada na nova diretriz europeia envolve os meios de medir a
pressão arterial.
Além do
exame feito em consultório, o documento também reforça a necessidade de
realizar o diagnóstico por meio de testes feitos em casa, como o Mapa (sigla
para Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial) e o MRPA (Medição
Residencial da Pressão Arterial).
O
primeiro envolve usar um aparelho que avalia a pressão arterial por 24 horas
(ou mais tempo, se o médico achar necessário). Já o segundo obtém essas medidas
por meio de algumas avaliações feitas durante a manhã e à noite, por alguns
dias seguidos.
O
principal objetivo desses testes realizados fora do consultório é evitar dois
fenômenos relativamente comuns.
Primeiro,
a "hipertensão do jaleco branco", quando o paciente fica nervoso na
presença do médico e a pressão dele sobe, mas fica normal no dia a dia.
Segundo,
a hipertensão mascarada, quando a pessoa possui uma pressão elevada fora do
consultório — mas curiosamente tem uma medida normal quando está sendo avaliada
por um profissional de saúde.
"O diagnóstico da hipertensão implica um tratamento para a vida toda, então precisamos ser muito rigorosos durante essas avaliações", conclui Machado.